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Direito Processual Penal

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[26/05/2008 - 10:36] Extinção de protesto por novo júri gera polêmica

Nos próximos dias, o presidente da República deve sancionar uma lei que visa acelerar os processos que tramitam nas varas do Tribunal do Júri. O projeto de lei foi aprovado na noite do dia 14, na Câmara dos Deputados, e acaba com a possibilidade de novo julgamento automático para condenados a penas superiores ou iguais a 20 anos.

Os deputados votaram diversos projetos para aumentar o rigor na punição de criminosos. Pela proposta, na prática, situações com a do fazendeiro Vitalmiro Bastos, acusado de ser o mandante no assassinato da freira Dorothy Stang, no Pará, não mais acontecerão. Ele foi condenado a 30 anos no primeiro julgamento, e absolvido no segundo, este concedido em razão do número de anos decretados na sentença condenatória.

A norma ainda nem ingressou no ordenamento jurídico e já divide opiniões. O juiz Júlio Roberto Siqueira Cardoso, da 1ª Vara do Tribunal do Júri, em Campo Grande, não acredita que a lei seja sancionada como está no projeto. Para ele, a proposta é uma violência ao direito de apelar, de recorrer.

"O projeto de lei visa acabar com o protesto por novo júri, contudo, não creio que passe sem algum veto. Se nós permitimos recurso em todos as fase do processo, não vamos permitir no último? Seria o mesmo que ferir princípios constitucionais, mesmo porque os juízes hoje adotam outra postura. As sentenças chegam a 19 anos, 11 meses e 29 dias e, não se alcançando o limite de 20 anos, não temos novo júri automaticamente", explica ele.

O magistrado apontou também que nem todos os condenados com sentença que estabeleça tempo igual ou superior a 20 anos recorrem. "Tem gente que não apela. Vamos exemplificar: se o réu está preso há 3 anos e cinco meses e é condenado a 21 anos, ele não recorrerá, pois 1/6 da pena é de 3 anos e meio e isso significa que já será posto em liberdade. Se ele apelar, corre o risco de pegar um conselho de sentença mais severo e ser condenado, por exemplo, a 29 anos, o que significaria 4 anos e 8 meses para poder sair. Como ele já teria cumprido 3 anos e meio, deve permanecer no cárcere por mais um ano e três meses. Assim, ele não apela por não querer arriscar", complementa Siqueira.

Outro questionamento levantado pelo juiz: e no caso do réu primário que tem o direito de aguardar em liberdade? Com a nova regra, como ficariam esses casos? "É preciso muito cuidado com essas alterações feitas no afogadilho. O que parece muito bom, pode resultar em conseqüências não tão boas. A aprovação do projeto não é unânime, embora esteja no Congresso há muito tempo e tenha tido sua tramitação acelerada em 2006, com a morte do menino João Hélio. Se sancionado, em princípio, estaríamos tolhendo o direito ao recurso. Creio que haverá, no mínimo, veto parcial", concluiu.

Posicionamento diferente tem o advogado Ricardo Souza Pereira, conceituado profissional que atua há anos na área penal. Ricardo considerou a alteração relevante e muito apropriada no momento jurídico que o país atravessa. Ele defende que o motivo ensejador da nulidade de uma sessão do tribunal do júri deve ser algum procedimento e não a pena imposta.

"A meu sentir, o fator determinante para anulação de um júri deve ser procedimental. O vício não pode ser a pena. Se um dos jurados, por exemplo, for amigo íntimo do juiz, do advogado de defesa, do promotor, isto sim fere a regra prevista no Código de Processo Penal, no qual estão os procedimentos pré-determinados", posiciona-se.

Reforçando seu entendimento, o advogado citou o art. 593, inciso III, alínea d, do Código de Processo Penal, que prevê o cabimento da apelação quando for a sentença do juiz-presidente contrária à lei expressa ou à decisão dos jurados. "Isso é mais uma prova de que não se impedirá o recurso".

O advogado não crê que a extinção da possibilidade de novo júri, em conseqüência da sentença, cerceie nenhum direito de recorrer. "O direito de apelar não acaba, o que finda é apenas o fato de ser automático. O recurso terá de ser fundamentado. O desembargador que decidir pelo novo júri o fará de acordo com juízo de mérito, isto é, ele observará se a apelação tem fundamento ou não. Se verificar que foi perfeito, nenhum procedimento resulta em anulação, não concederá", esclarece.

Afirmando que a medida proposta no projeto de lei deveria ter sido implantada desde muito, Ricardo cita o caso do Pará. "Veja o caso do Vitalmiro Bastos. No primeiro julgamento, ele foi condenado a 30 anos, a maior pena do ordenamento jurídico. No segundo, ficou livre. Saiu do máximo para o nada e isso gera incerteza jurídica. Se a decisão de apelar fosse avaliada pelo mérito e não pela quantidade de anos da pena, ele teria permanecido condenado. Não há dúvidas, a medida será muito boa".

FONTE: TJ-MS

Nota - O protesto por novo júri é um recurso processual privativo da defesa e será admitido apenas quando a sentença condenatória for de reclusão por tempo igual ou superior a 20 anos, não podendo ser feito mais de uma vez. O limite de 20 anos é válido para um crime, não sendo possível a soma de várias penas impostas ao acusado.




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