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[24/04/2012 - 13:56] Pessoas jurídicas podem constituir empresas individuais, por: Jorge Lobo


Jorge Lobo é Mestre em Direito da Empresa (UFRJ) – Doutor e livre docente em Direito Comercial (UERJ), Especialista em aquisição, reorganização e recuperação de empresas. O mestre analisa a interpretação jurídica sobre a possibilidade de constituição de empresas individuais por prssoas jurídicas.

Segue o artigo, por nós publicado na revista Contabilidade & Gestão de Janeiro/Fevereiro:

Pessoas Jurídicas Podem Constituir Empresas Individuais

O Centro de Estudos Judiciários (CEJ), órgão do Conselho da Justiça Federal, aprovou o Enunciado nº 468, segundo o qual só “a pessoa natural pode constituir empresa individual de responsabilidade limitada” (EIRELI).
   
O Departamento Nacional de Registro do Comércio (DNRC), na Instrução Normativa nº 117, de 2011, estabeleceu que “a pessoa jurídica não pode constituir EIRELI”.

Como as Juntas Comerciais estão subordinadas ao DNRC, a IN nº 117 deverá ser seguida à risca, não obstante viole a Lei nº 12.441, de 11-7-2011, que incorporou o art. 980-A ao Código Civil, para permitir a criação da EIRELI, consoante diligenciarei demonstrar com respaldo (a) nos elementos de interpretação histórico, léxico, lógico, sistemático e finalístico, (b) no Direito Comparado e (c) em consagrados cânones de hermenêutica jurídica, concebidos pelo gênio dos proficientes jurisconsultos romanos, que atravessaram séculos e permanecem enaltecidos e observados por juristas de escol de todos os povos cultos.

É princípio inconcusso, autêntico brocardo, que ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus, isto é, “onde a lei não distingue, não pode o intérprete distinguir”, eis que, “quando o texto legal dispõe de modo amplo, sem limitações evidentes, é dever do intérprete aplicá-lo a todos os casos particulares que se possam enquadrar na hipótese geral prevista explicitamente”, na abalizada lição do egrégio Carlos Maximiliano.

Em consequência, quando o caput do art. 980-A dispõe que “a empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por uma única pessoa titular do capital social...”, o aplicador do direito, ao utilizar os elementos gramatical e lógico de interpretação, para reconstruir o pensamento ínsito no texto legal, é levado a concluir que a palavra “pessoa”, empregada no art. 980-A e que, no plural, dá título ao Livro I da Parte Geral do Código Civil, é gênero, presumindo-se, portanto, incluídas as respectivas espécies, as quais, na hipótese, são (1º) a “pessoa natural”, conforme prevê o Título I do Livro I da citada Parte Geral, e (2º) a “pessoa jurídica”, consoante estatuído no Título II do mencionado Livro I da Parte Geral, sendo vedado, ao intérprete, restringir o sentido e o alcance da lei e afirmar que, quando o art. 980-A fala em “pessoa”, quer referir-se tão só à “pessoa natural”, jamais à “pessoa jurídica”, sob pena de ofender o axioma jurídico specialia generalibus insunt, isto é, “o que é especial acha-se incluído no geral”, ou, na esteira do aforismo de Gaio, no Digesto: “o geral abrange o especial”.

A incorreta exegese do DNRC é, ademais, repelida pelo elemento histórico, porquanto o Projeto de Lei nº 4.605, de 2009, de autoria do Deputado Marcos Montes, que, com alterações, se transformou na Lei nº 12.441, de 2011, dispunha, inspirado nas legislações do Chile (Lei nº 19.857, de 11-2-2003), Peru (Decreto-Lei n° 21.621, atualizado em 31-10-2005) e Paraguai (Lei n° 1.034, de 1983), textualmente: “A EIRELI será constituída por um único sócio, pessoa natural, que é titular do capital social ...”.

Como se vê, o projeto original, clara e induvidosamente, ao valer-se da expressão “pessoa natural”, só permitia a constituição da EIRELI por “pessoa natural”, mas, alterado na Câmara dos Deputados, com a supressão do vocábulo “natural”, a conclusão, que se impõe, é: a “pessoa natural” e a “pessoa jurídica” podem fundar uma EIRELI na esteira do aforismo: odiosa restringenda, favorabilia amplianda, isto é, “restrinja-se o odioso; amplie-se o favorável”, e do Direito Comparado (legislações da França (Lei n° 85-697, de 11-7-85), Portugal (Decreto-lei n° 257, de 1996) e Espanha (Lei nº 2, de 1995) e da Diretiva 89/667, da CEE).
 
De igual sorte, é a interpretação sistemática, em que se busca a conexão interna entre o caput do art. 980-A e os seus parágrafos, para descobrir a mens legis, isto é, o espírito da lei, eis que, no seu § 2º, há referência expressa à “pessoa natural”, o que seria absolutamente desnecessário se somente a “pessoa natural” pudesse ser titular de EIRELI.

O estudo do § 3º do art. 980-A conduz a idêntica conclusão, eis que o sócio, de que trata o referido parágrafo, poderia ser pessoa jurídica, salvo se o texto, de forma evidente, excluísse essa possibilidade e, se não o faz, a admite.

À mesma conclusão conduz a interpretação finalística ou teleológica, pois, embora a EIRELI tenha sido concebida, nos idos de 1895, na Suíça, por Karl Wieland, e estudada, com profundidade, pelo austríaco Orkar Pisko, em 1910, para atender, primordialmente, às necessidades do pequeno e médio empresários, ela também se presta à concretização dos princípios insculpidos no art. 170 da Constituição Federal e à consecução dos objetivos para os quais foi imaginada na Suíça e desenvolvida em inúmeros países, em especial para moralizar o Direito Societário, eliminando-se as sociedades fictícias, as sociedades simuladas, vezes sem conta com a participação de  “presta nome”, de “homens de palha”, de “testas de ferro”.

Por fim, atente-se que o enunciado do CEJ não terá nenhuma consequência prática, porquanto o Superior Tribunal de Justiça sempre decidiu que a competência para processar e julgar toda e qualquer dúvida ou controvérsia sobre registro e arquivamento de atos societários é da Justiça Estadual, inclusive os que se referem à empresa individual: “CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 96.872-Pr (2008/0142317-5) (Rel. Min. Fernando Gonçalves/2ª Seção). Dj: 26-11-2008. EMENTA – Junta Comercial. Empresa individual. Registro. Anulação ... 1. Compete à Justiça Estadual processar e julgar ação ordinária pleiteando anulação de registro de empresa individual, efetivado perante a Junta Comercial, por suposto uso indevido e fraudulento do nome da autora da ação e de seu CPF. Em casos como o presente não se questiona a lisura da atividade federal exercida pela Junta Comercial, mas os atos antecedentes que lhe renderam ensejo. 2. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo de Direito da 8ª Vara Cível de Londrina – PR, o suscitante. (STJ/DJe de 9/12/2008)”.”






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