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[03/04/2009 - 15:43] Distinção entre sonegação e inadimplência tributária




Kiyoshi Harada


Jurista. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro. Membro da Academia Paulista de Letras Jurídicas.


A saturação do nível de tributação tende a diminuir o crescimento econômico, de um lado, e acarretar queda de arrecadação tributária de outro lado, como conseqüência natural da supressão de unidades produtivas e, também, como resultado de comportamentos dos contribuintes, que procuram livrar-se do pagamento de tributos pesados, ou, simplesmente, não conseguem cumprir suas obrigações tributárias.


Esse fato, tem levado o governo a editar instrumentos legislativos cada vez mais truculentos para, por via de coação indireta, acelerar a arrecadação tributária, como sucedâneos da Lei de  Execução Fiscal, que assegura a observância dos princípios constitucionais do devido processo legal e do contraditório e ampla defesa. Conseqüentemente, a realização da receita pública deve percorrer os morosos caminhos do Judiciário. A política do fim justifica o meio é incompatível com o regime democrático.


Enquanto não se atacar a causa ou causas da inadimplência tributária dificilmente se romperá o círculo vicioso em que nós nos encontramos: tributo elevado provocando  recessão; esta provocando queda na arrecadação por duas razões retro apontadas; a queda na arrecadação tributária levando o governo a promover novos aumentos tributários, que acarretam o aumento da inadimplência e provoca outros aumentos diretos ou indiretos de tributos. Forma-se um círculo vicioso que só pode ser rompido pela drástica redução tributária em geral e não por vias de incentivos fiscais, aqui e acolá, ao sabor dos interesses políticos do momento.


Infelizmente, no nosso país, vigora a cultura da solução dos problemas  à medida que eles vão surgindo,  isto é, do conserto ou remendo dos estragos provocados fatores conhecidos que continuam intocáveis. Às vezes, as causas não são visíveis de pronto, mas ninguém se preocupa em investigá-las. Preferem esperar que o problema surja para combatê-lo. Isso tem acontecido não apenas na área tributária, como também nas áreas da saúde, da educação, dos transportes etc.


Em qualquer outro país do mundo, quando chega a crise econômica, reduzem-se os tributos para devolver o oxigênio ao setor produtivo. Aqui, os tributos são majorados direta ou indiretamente como forma de compensação da queda de arrecadação tributária decorrente da recessão econômica. O governo, não se preocupa em prestigiar o princípio do equilíbrio orçamentário, apesar de ser a cláusula de ouro da Lei de Responsabilidade Fiscal. Vejo na mídia projeções de queda de arrecadação, anunciada por autoridades fazendárias e, ao mesmo tempo, vejo discussões ou tramitações de projetos legislativos que implicam aumento de despesas correntes, notadamente as de custeio.


Daí o número cada vez mais crescente de inadimplentes. A carga tributária excessiva desperta o interesse do contribuinte na busca de meios para desenvolvimento de sua atividade econômica de forma  menos onerosa possível, em termos de tributação. É a chamada elisão fiscal, que nada tem a ver com a figura do inadimplente e, muito menos, com a figura do sonegador de tributos, como passaremos a examinar.


A expressão “elisão fiscal” passou a ser empregada, entre nós, como sinônima de modalidade lícita de economia de tributos, ao passo que, a evasão fiscal seria a modalidade ilícita.
Na verdade, evasão vem do francês “evasion”, que expressa exatamente a licitude da economia tributária. Evadir significa evitar, desviar, escapar, ou seja, trilhar o caminho não onerado, ou menos onerado pelo tributo. A elisão vem de elidir, significando supressão, ou seja, economia ilícita do tributo. Mas, tentar reverter o conceito já arraigado na doutrina e na jurisprudência seria o mesmo que dar murro em ponta de faca.


Portanto, em face da doutrina e da jurisprudência, elisão fiscal significa economia lícita do tributo. O contribuinte tem o direito de trilhar pelo caminho não juridicizado,  ou tributado com menor intensidade. Da mesma  forma,  o fisco tem o direito de, por meio de órgão legislativo competente, juridicizar aquele caminho em aberto, ou elevar o grau de tributação naquela via menos onerosa descoberta pelos contribuintes. Portanto, a elisão fiscal é um instrumento legítimo, legal e constitucional do contribuinte que é livre para efetuar o planejamento tributário. Daí a inconstitucionalidade de norma antielisiva geral, como a que está expressa no parágrafo único do art. 116 do CTN, ainda dependente de regulamentação por lei ordinária.


O inadimplemento da obrigação tributária sem dolo, ao contrário da sonegação, da fraude, e do  conluio, caracteriza mera infração tributária, isto é, o contribuinte comete simplesmente um ilícito tributário, apenado com sanção pecuniária. É o caso, por exemplo,  do contribuinte do ICMS que escriturou corretamente os livros fiscais de entrada e de  saída das mercadorias;  apurou o valor do tributo devido no livro próprio e comunicou esse fato ao fisco. Contudo, em razão da ausência momentânea de disponibilidade financeira, deixou de recolher tempestivamente o imposto no valor apontado em suas informações fiscais. Este contribuinte estará sujeito à inscrição na dívida ativa, seguida de execução fiscal para cobrança do tributo devido mediante expropriação de seus bens.


Ao lado de inadimplentes tributários existem outros contribuintes que agem com dolo, para deixar de pagar o tributo devido. São os que empregam meios condenáveis para se livrar do cumprimento da obrigação tributária. Contribuintes que assim agem cometem infrações reprimidas pelo Direito Penal Tributário. São os que cometem a sonegação, a fraude e o conluio.


Sonegação é toda ação ou emissão dolosa tendente a impedir ou retardar, total ou parcialmente, o conhecimento da autoridade tributária competente da situação que constitui a ocorrência do fato gerador. Por exemplo, o contribuinte deixa de registrar em livros próprios as operações comerciais. 


Fraude é toda ação ou omissão dolosa tendente a excluir ou modificar as características essenciais da obrigação tributária principal, de modo a reduzir o montante do imposto devido e evitar ou diferir o seu pagamento. Exemplo clássico é o famoso decalque da nota fiscal.


Finalmente, temos o conluio, que representa um ajuste doloso entre duas ou mais pessoas naturais ou jurídicas, visando os efeitos da sonegação ou da fraude. Normalmente,  o comprador não registra a operação em seus livros porque o vendedor ajustou “venda  sem nota”. Da mesma forma que aquele que faz o decalque de nota fiscal conta com a concordância do destinatário da mercadoria ou do serviço prestado.


Na prática, é mais conhecida a figura do sonegador, mas o fraudador e as pessoas que promovem o conluio igualmente praticam crime contra a ordem tributária definido no art. 1º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990. A pena para esse crime é de dois a cinco anos de reclusão, além de multa.





 






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